Sinto-me angustiado e acordo de repente. Por momentos, penso que tudo não passa de um horrível pesadelo. Esfrego os olhos e revejo os acontecimentos... Cartão amarelo, sorriso irónico e uma queda aparatosa... De repente, a confusão instala-se... Miguel está deitado no chão completamente desesperado. Tiago e Andersson, lavados em lágrimas, ajoelham-se na relva molhada. Fernando Aguiar, aquele a quem chamam Robocop, e que nunca se intimida perante ninguém, está de mãos na cabeça, berrando não sei por quem. Armando está em estado de choque. Bossio pede inspiração divina. Ricardo Rocha abraça-se a... Djurdjevic, jogador do V. Guimarães. Onde está o timoneiro? Eis que ele aparece. Não, este não é o Camacho que eu conheço, aquele que todos dizem ser um homem frio... Ele chora que nem uma criança... Não quero acreditar... O público também não... Treze mil vozes berram a plenos pulmões: “MIKLOS FEHÉR”! A esperança renasce... Mas, logo de seguida, a ambulância entra em campo. O prolongamento disputa-se no Hospital... Que assim seja! É no Estádio da Senhora da Oliveira, que Miki vai disputar o desafio mais importante da sua vida. A espera parece interminável... Começo a ficar pessimista... A impaciência toma conta de mim... Mas, tudo termina pouco depois. Não, não foi um pesadelo. É a triste realidade. Nua e crua. Miklos Feher já não está entre nós... Ainda não acredito... Uma enorme tristeza apodera-se de mim, como se de um familiar se tratasse. Quero chorar, mas as lágrimas não me saem. Sinto remorsos por algumas vezes o ter criticado. Porque o fiz? Era um jovem! Mais novo do que eu, imaginem só! Chegou a Portugal com 18 anos, vindo da distante Hungria natal. Não foi bafejado pela sorte, pois talento não lhe faltava. No F. C. Porto “apanhou” com Jardel nos seus tempos de ouro... Emprestado ao Salgueiros, marcou cinco golos que ajudaram o clube nortenho a fugir à despromoção esse ano... Na época seguinte é de novo emprestado, desta vez ao Sp. Braga. Fez uma época sensacional, apontando 14 tentos e ajudando o clube minhoto a atingir uma magnífica quarta posição (à frente do Benfica). Quando regressa ao F. C. Porto, desta vez sem Jardel, estava pronto para se afirmar, mas foi envolvido numa guerra que não era sua e ficou impedido de se treinar com o plantel principal. Relegado para a equipa B, ficou um longo ano na prateleira, mas mesmo assim ingressou no Benfica. Em Agosto de 2002, disse ser “a pessoa mais feliz do mundo”. Contudo, a sorte mais uma vez nada quis com ele. Uma arreliadora lesão no joelho esquerdo, que o obrigou a ser operado duas vezes em dois anos não lhe deu descanso. Regressou no final da época e, no último jogo, apontou 3 golos. Prometeu mais para esta época e embora não fosse titular, marcou ao V. Guimarães, Belenenses, Moreirense e La Louviére. Pouco para um avançado? Eu achava que sim, por isso lhe exigia mais. Obviamente, também só o fazia porque lhe reconhecia qualidades para isso. No jogo fatídico, entrou para o lugar de João Pereira. Esteve no lance do golo e, sem dúvida, foi um dos responsáveis pela alegria benfiquista. Depois... é o que todos já sabem. Lágrimas, muitas lágrimas. Não há rivalidade que suplante este desgosto e por isso Sporting e F. C. Porto - que curiosamente se vão defrontar Sábado - associam-se neste momento difícil. O sentimento é comum aos adeptos que, independentemente da cor clubística, se deslocam à Luz para a última e merecida homenagem. Que esta cultura se instale definitivamente no nosso futebol. A bem do desporto e em memória de Miki.
Finalmente choro. Confesso que sinto um grande alívio.
Descansa em paz. Até sempre Miki!
Nota: Este texto, escrito por mim, foi publicado no jornal "desporto Jovem" poucos dias após a morte de Miklos Feher. Decidi voltar a publicá-lo hoje, já que se completam três anos sobre a sua morte. Nunca te esqueceremos Miki!
Finalmente choro. Confesso que sinto um grande alívio.
Descansa em paz. Até sempre Miki!
Nota: Este texto, escrito por mim, foi publicado no jornal "desporto Jovem" poucos dias após a morte de Miklos Feher. Decidi voltar a publicá-lo hoje, já que se completam três anos sobre a sua morte. Nunca te esqueceremos Miki!
10 comentários:
Tou a gostar menino Paulo.. muito bem!
E benvindo a estas andanças dos blogs....
Este e o verdadeiro espirito Benfiquista. Adorei o texto em memoria do Fehér.
Continua, é mesmo muito interessante.
Fogo Paulo, arrepiaste-me!!! Nestas coisas o clubismo é posto de parte. Estava a trabalhar na noite em que tudo aconteceu e todos ficámos um pouco em choque pois estavamos a ver o jogo. E fui ao jogo contra a Académica, de homenagem ao Miki... Um dos momentos mais tristes mas, ao mesmo tempo, mais bonitos a que assisti.
Excelente texto. Fantástico mesmo.
Para sempre Miklos!
Parabéns pelo texto Paulo.
Infelizmente é difícil esquecer essas imagens... Seja um benfiquista ou qualquer outra pessoa.
Não esquecer também o aniversário do Eusébio... :)
Figas, conhecendo como te conheço, sei que não serás "apenas mais um" a escrever sobre o nosso Glorioso...Excelente texto sobre um dia para ficar na memória. Continua a teclar sobre o MAIOR e MELHOR CLUBE DO MUNDO...Abraço
Ass: Cadeira 20...
Bem , também ue fiquei arrepiada com esta descrição tão fiel ao turbilhão de emoções dessa noite.
Lembro-me de estar a ver o jogo com o meu pai, lembro-me de ficar sem pinga de sangue perante algo que achei que pudesse ser impossível...E também me lembro de desatar a chorar!
Inesquecível e marcante...Prova daquilo que é o futebol: sentimentos contraditórios, emoção à flor da pele, alegria, mas também dor profunda.
Obrigado pelos elogios. Lembro-me que, quando o texto foi publicado, não obtive qualquer feed-back. Só por este post já valeu a pena criar o blog. Este é capaz de ser o melhor texto que já escrevi e, por isso, fico contente por terem gostado e partilhado os vossos sentimentos comigo.
Magda, eu também estava a trabalhar na Sportinveste neste dia horrível... Penso que estávamos nós os dois, a Marisa e o Baptista. Lembro-me que o jogo estava 0-0 e, aos 90 minutos, o Benfica finalmente faz o golo. Eu e o Baptista fizémos uma grande festa (tu não, como é óbvio) e no minuto seguinte aconteceu aquilo...
Lina, concordo com a tua definição, o futebol é mesmo um jogo de sentimentos contraditórios.
Cadeira 20, companheiro de muitas lutas, é um orgulho para mim que frequentes este meu espaço. Talvez tu sejas um dos que melhor me compreende...
Aos restantes, agradeço a paciência para lerem os meus posts!
Cumprimentos
Sem duvida uma descrição verdadeira da curta carreira de Miki; Um abraço Anisio
ola paulÃo...como sabes não sou muito da onda futebolística .. Queria DESEJAR boa sorte aqui para este teu "blog" e que um dia possas estar a escrever num jornal desportivo para mostrares a tua escrita....(escolhi o miki pois na altura que aconteceu esta tragédia estava a trabalhar num call-center e ao mesmo tempo a ver "tv".. vi e em directo foi muito chocante...... as chamadas pararam...e foi dos dias em que ouve menos telefonema..sem duvida teve impacto para todos nós futebolísticos ou não.....................)
continua em grande......
abraço do grande..zé pedro..
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